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A ludopatia — também chamada de transtorno do jogo — é um distúrbio de controle de impulsos que leva a padrões persistentes e recorrentes de comportamento de apostar, apesar de prejuízos pessoais, familiares e financeiros. No CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), a ludopatia está codificada como F63.0 (Jogo Patológico); no CID-11, corresponde ao código 6C50 (Gambling disorder). Na prática, costuma chegar ao escritório depois de um rastro silencioso de perdas: dívidas que “rolam” mês a mês, empréstimos em sequência, cartões estourados, venda apressada de bens e, não raro, a exposição a golpes na tentativa de “recuperar” o que já se foi. Nessas horas, a família se pergunta se é possível intervir juridicamente para estancar o dano financeiro sem transformar a pessoa em incapaz para tudo. A resposta é sim: o nosso ordenamento permite a curatela parcial e temporária, voltada apenas à administração de bens e finanças, preservando a dignidade e a participação do curatelado nas decisões da própria vida.
A legislação brasileira — especialmente o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) e o Código Civil — orienta que a curatela seja medida extraordinária, proporcional e pelo menor tempo possível, preferencialmente limitada a atos de natureza patrimonial e negocial. Em linguagem direta: não se trata de “tirar direitos”, mas de criar uma contenção cirúrgica naquilo que está causando o prejuízo concreto. Em casos de vício em jogo, o problema central não é a capacidade para a vida cotidiana, mas a incapacidade momentânea de gerir dinheiro com prudência. Por isso pedimos que a interdição incida apenas sobre a movimentação de contas, contratação de empréstimos e financiamentos, assinatura de contratos que gerem obrigações e alienação ou oneração de bens, deixando intactas as decisões existenciais e a rotina pessoal.
Também é essencial que a curatela tenha prazo. Em geral, propomos uma duração inicial — por exemplo, de seis a doze meses — com previsão de reavaliação judicial ao final, à luz de indicadores objetivos: estabilidade das finanças, cessação de condutas de risco, adesão a tratamento e melhora do julgamento nas decisões econômicas. Se houver evolução, pedimos a redução do escopo ou a extinção da medida; se os riscos persistirem, justificamos a prorrogação, sempre com base em fatos e documentos. Esse desenho devolve previsibilidade à família e incentiva um plano de recuperação, em vez de impor uma limitação indefinida.
Na prática, o processo começa com uma petição inicial bem delimitada. Nós descrevemos o quadro com sobriedade, demonstrando por que a intervenção patrimonial é necessária aqui e agora. Juntamos documentação médica que aponte o transtorno do jogo e, principalmente, provas financeiras: extratos, faturas, contratos, notificações de cobrança, registros de apostas em plataformas e evidências de vendas apressadas de bens. Quanto mais datas, números e causalidade conseguirmos apresentar, mais nítido fica para o Juízo que não estamos diante de uma punição moral ao jogador, e sim da proteção de um patrimônio que está em risco real. Havendo urgência — por exemplo, diante da iminência de novos empréstimos ou da tentativa de vender um imóvel — pedimos tutela liminar para bloquear atos específicos até a perícia.
O papel do curador também precisa ser desenhado com precisão. Indicamos, preferencialmente, alguém do círculo familiar que reúna confiança e capacidade de prestar contas. O curador não “assume a vida” do curatelado; ele passa a coassinar ou autorizar atos financeiros relevantes, respeitando o perímetro fixado na sentença. Essa responsabilidade vem acompanhada do dever de transparência: relatórios periódicos, guarda de comprovantes e comunicação de qualquer operação extraordinária. A previsibilidade na governança financeira dá segurança à família e, ao mesmo tempo, protege o curatelado contra abusos e decisões intempestivas.
É importante reforçar que a pessoa em curatela continua sendo sujeito de direitos. Ela é ouvida, pode se manifestar, impugnar excessos e participar da construção do próprio plano de reabilitação. A curatela não apaga a voz do curatelado, apenas cria uma barreira protetiva nos pontos sensíveis. Quando o quadro é menos grave — ou na fase final, após estabilização — avaliamos, inclusive, a Tomada de Decisão Apoiada (art. 84 do Estatuto), em que a própria pessoa escolhe apoiadores para auxiliá-la em decisões específicas, sem transferência de poderes como ocorre na curatela. Em muitos casos, essa solução funciona como ponte entre a interdição temporária e o retorno pleno da autonomia.
No foro, o que costuma convencer é a combinação de proporcionalidade e evidência. Se demonstramos que a limitação se dirige exatamente ao núcleo do dano — o risco financeiro decorrente da compulsão — e que há base técnica e documental para tanto, o Juízo tende a acolher a medida com prazo e escopo bem marcados. A perícia, quando determinada, ajuda a calibrar o alcance da curatela e o ritmo de revisão, permitindo que o direito acompanhe o tratamento clínico e a reorganização das finanças.
Conduzimos esses casos com dois lemes: respeito à autonomia e proteção do patrimônio. Quando a ludopatia toma o comando das decisões econômicas, uma curatela parcial e temporária pode ser o amortecedor necessário para estancar perdas, reorganizar dívidas e reconstruir a confiança. Nossa atuação é estruturar o pedido com técnica, provas robustas e limites claros, para que a intervenção seja eficaz sem ser opressiva, e para que o retorno à plena autodeterminação deixe de ser promessa e se torne objetivo com data, indicadores e responsabilidade definidos.
mais de 10 anos de experiência em ações de interdição e curatela, Guilherme de Castro Perussolo já atuou não apenas como advogado de partes em processos de curatela, mas também como curador dativo nomeado pela Vara de Curatelas de Porto Alegre e curador de pessoas interditadas, demonstrando profundo conhecimento técnico e sensibilidade jurídica para lidar com questões que envolvem a proteção de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Há mais de 10 anos atuando em casos de Curatela e Interdição em Porto Alegre
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